Destino em Chamas – Parte III

Vor-Vagral“Eu já andei por montanhas de escarpas tão afiadas quanto adagas e pântanos fedorentos e intransponíveis, mas esse lugar ganha de todos eles.” Reclama Aluriel se referindo ao terreno totalmente inóspito por onde andam. Torres semidestruídas, uma arquitetura pontiaguda e negra e vermelha, piras de fogo ainda acesas e suas ruas irregularmente elevadas.

“Estas ruas e avenidas foram perfeitas um dia, Luri. Mas depois do cataclismo tudo foi literalmente revirado de cabeça para baixo.” Explica Balsaraph como um tutor.

“Silêncio!” Admoesta Lorelei. “Esse lugar todo fervilha em magia antiga, esquecida e adormecida. Não podemos nos dar ao luxo de acordar um demônio ou algo pior.”

“Crie uma Muralha de Silêncio então!” Rebate a elfa não acostumada a ser repreendida (ainda mais por uma humana).

“Eu estava reservando energia para quando for mais necessário.” Rebate a maga.

“É melhor evitar uma luta.” Finaliza a elfa.

Por um segundo, Cedrick acha que Lorelei vai disparar uma bola de fogo na caçadora e, inconscientemente, coloca a mão no punho de Caliburn. Aluriel não desvia o olhar…

A maga quebra a situação desconfortável levantando suas mãos em movimentos cabalísticos e conjurando o encantamento chamado Muralha de Silêncio, impedindo que qualquer som delate a presença do grupo. Eles ainda conseguem falar e ouvir uns aos outros, mas nenhum ruído nem mesmo o som de suas respirações pode ser percebido por alguém fora da área do encantamento.

“Bem, como eu estava dizendo…” Aluriel olha com escárnio uma última vez para a humana. “Eu odeio este lugar, Bal.”

“Luri, você está jogando um jogo perigoso. Ela é uma Maga de Argonast.” Sussurra o tiefling, preocupado.

“E eu sou uma caçadora élfica de Silver Glades. E não gosto dela.”

“Você não gosta dela ou do jeito como Cedrick olha para ela?” O bruxo fala e sobe um declive que um dia foi uma calçada para ficar ao lado do guerreiro humano.

A elfa deixada para trás está atônita com as palavras de seu companheiro de aventuras e ela pensa se o que o tiefling falou tem algum fundo de verdade…

XXX

“Cedrick, eu acho que estamos sendo seguidos.” Diz Aluriel ao seu amigo humano, enquanto olha para trás por cima de seu ombro.

“Não seja ridícula. O encantamento de Lorelei está nos protegendo.” Ele responde secamente.

“Ele protege contra sons, mas ainda podemos ser farejados e vistos.”

“Luri, você tem que parar com isso. Você foi muito grosseira com ela. Ela nos teleportou e foi muito útil no combate com as gárgulas.”

“Tudo bem, Cedrick. Me desculpe. Mas ainda acho que estamos sendo seguidos.”

“Pois bem, Luri, e o que você quer fazer?”

“Eu e Sham podíamos fazer um reconhecimento nas redondezas e seguí-los à distância.”

“Certo, só tome cuidado.” A elfa nota um tom menos indiferente em seu amigo.

“Eu sempre tomo.”

XXX

O guerreiro, o bruxo e a maga seguem com certa dificuldade pelo terreno instável e o que levaria minutos tornam-se horas de caminhada.

“Você já esteve aqui antes, Lorelei?” Pergunta Cedrick.

“Sim. Astralmente, mas fui impedida de prosseguir por algumas barreiras místicas ainda impressionantemente ativas depois de tanto tempo.”

“E qual o nosso destino?”

A maga aponta para uma torre se sobressaindo na paisagem avermelhada.

“A Torre de Azeviche.”Torre de Azeviche

Cedrick e Balsaraph se entreolham. A Torre se ergue à distância, pontiaguda como a maioria da arquitetura de Vor-Vagral e incêndios e relâmpagos vermelhos envolvem-na.

“Ela é o lar de uma demonologista Tieflord poderosíssima chamada Jorhana Lar-Barik, líder do clã Lar-Barik.” Explica o tiefling. “Dizem que ela matava seus inimigos com um olhar e que depois eles imediatamente ressurgiam transmutados em demônios ao seu comando.”

“Exatamente. Talvez seja uma das poucas construções ainda íntegras em toda a cidade. Muito antes do cataclismo, dizem os livros, ela se trancou na torre e apenas se comunicava com o resto da cidade através de seus escravos infernais.” Termina a maga.

De repente, um rosnado baixo é ouvido por todos. Da escuridão surgem criaturas do tamanho de um cão, mas esguias e esquálidas, espinhosMastim Demoníaco proeminentes no dorso esquelético, a cauda terminando no que parece ser uma maça óssea, com presas afiadas numa mandíbula aberta de forma a mostrar toda a fome das feras. Elas avançam.

A primeira delas, no entanto, é atingida em cheio por um relâmpago e cai abatida. A segunda tem todo o flanco esquerdo estripado pelas garras de um enorme tigre branco que surgiu do nada. As outras cinco criaturas remanescentes hesitam. E é tempo suficiente para o restante do grupo se preparar.

As feras foram espertas, elas escolheram um ponto onde o grupo ficaria em desvantagem numa posição mais baixa. Mas Aluriel e Shambala foram mais espertos e estão num ponto ainda mais alto.

Cedrick saca Caliburn. Balsaraph aponta na direção das criaturas e as amaldiçoa. Lorelei flutua no ar e se concentra. Duas das feras pulam no guerreiro tentando acertá-lo com suas caudas-maça, mas o escudo mágico impede o sucesso do ataque. Outras duas tentam escalar umas paredes laterais para ter acesso à maga flutuando. A última ataca o bruxo, mas a maldição que ele lançou previamente confunde a mente da fera e ela tropeça e cai prostrada no chão. Bal apenas sorri.

Aluriel abate mais uma das criaturas atacando o guerreiro. Shambala, aproveitando a desvantagem da fera caída no chão perto do tiefling, a dilacera em pedaços. Cedrick corta o crânio da criatura restante ao meio. O bruxo, observando ainda duas delas alcançando Lorelei, dispara uma bola de fogo em uma delas, a transformando em um monte de carne carbonizada. A maga ainda a uma distância segura aponta para a última fera.

“Enots ot Hself!” Ela diz e agora a criatura é uma estátua de pedra.

“Algum ferido?” O humano pergunta.

Todos respondem que não. A elfa graciosamente desce de seu esconderijo, tira um pedaço de carne seca e a entrega a Sham. “Bom trabalho, querido!”

“Você também fez um bom trabalho, Luri.” Cedrick elogia.

“Vamos temos um longo caminho pela frente ainda.” A caçadora o ignora e continua em direção à torre.

“O que foi que eu fiz?” O humano pergunta.

“Bem, meu amigo, se você acha as humanas difíceis de entender, imagine uma elfa com o dobro da sua idade?” Conforta o tiefling.

XXX

“Bal, eu não acho que uma torre importante como essa parece ser estará desprotegida.” Diz a caçadora o mais baixo que pode apenas para o bruxo.

“Claro que não, Luri. Mas acho que estamos à altura do desafio, não?”

“Eu não sei, Bal. Afinal, o que eram aquelas coisas que enfrentamos?”

“Não faço idéia. Guardiões talvez. Mastins demoníacos como eram comuns nos tempos da glória de Vor-Vagral. Eles patrulhavam as vias da cidade a procura de intrusos, na época, especialmente Dragonborns.”

O tigre branco levanta as orelhas e com uma bufada avisa a caçadora sua amiga que notou algo.

“Escondam-se!” Ela rapidamente diz.

Todos procuram um lugar. Cedrick e Balsaraph se postam atrás de uma coluna quebrada. Lorelei fica invisível. Aluriel segue Shambala escalando uma parede como se ela fosse tão felina quanto seu amigo e os dois se abrigam num nicho numa parede próxima.

Demon1A visão é aterradora. Eles sabem que os seres não são deste plano de existência, sabem que eles vêm do Abismo. Mas nem Aluriel nem Balsaraph reconhecem de qual raça eles fazem parte. São deformados e multiformes, mas uma coisa é certa: todos têm garras malignas, chifres e o olhar assassino. A luz do céu violáceo dá uma coloração perversa e funesta ao grupo de demônios e os aventureiros escondidos sentem um calafrio quando, logo depois deste grupo, um outro ser vem como se escoltado. Ele é alto e muito atraente, tem pele azulada e torso desnudo, cabelos e asas angelicais branquíssimos. Mas os chifres retorcidos em sua testa e sua aura infernal são suficientes para quebrar todo encanto de beleza dele. O coração de todos pula uma batida quando eles notam que o grupo se dirige à torre também.

Temos que seguí-los! Diz a voz de Lorelei Spellbreaker na cabeça dos aventureiros. Talvez eles saibam como entrar na torre.

Concordo. Respondem mentalmente Cedrick e Balsaraph.

Sai da minha cabeça, mulher! Grita em pensamento a elfa.

Como você quer que nós nos comuniquemos? Falando? Retruca a humana.

Aluriel não consegue ver a fisionomia da maga mas sabe que ela está sorrindo.

Está bem, então. Mas se vamos seguí-los, faremos da minha forma. Pensa a elfa irritada. Se eles são demônios mesmo, devem ter outros meios (que não a visão nem a audição) de nos detectar, mas seus feitiços ainda podem ser úteis, maga.

Lorelei levanta novamente sua Muralha de Silêncio, conjura Invisibilidade em todos e eles seguem calmamente a experiente caçadora.

XXX

Mais algumas horas e eles alcançam os limites incandescentes da Torre de Azeviche. Apesar de muitos focos de chamas e destroços, ainda há como andar pelas redondezas. O grupo de demônios leva o ser próximo à torre. Só agora os aventureiros, para seu horror, conseguem observar que jorram jatos do que só pode ser sangue de protuberâncias afiladas na lateral da construção.

Vamos, temos que chegar mais perto. Diz a voz de Lorelei e todos se aproximam invisíveis e inaudíveis.

Os demônios falam em Abyssal, a língua do Abismo. Apenas Balsaraph e Lorelei entendem, mas como todos têm suas mentes (mesmo que superficialmente) conectadas, todos conseguem compreender.

“Bem, irmãos.” Diz o ser alado. “Finalmente é chegada a hora de Demon Xencontrarmos nossa senhora Jorhana. Por suas atitudes e feitos grandiosos, ela foi aprisionada nesta torre pelos seus próprios irmãos Tieflords e apenas um Tieflord pode libertá-la, certo maga?” Tudo acontece muito rápido. Todos imediatamente tornam-se visíveis.

“É claro que você está certo, meu amado.” Responde a traidora enquanto se teleporta para o lado do belo ser.

Aluriel já tem uma flecha apontada para o coração da humana e Shambala retesa os músculos de suas patas traseiras prontas para desferir um salto mortal. Ambos são presos em um bloco de gelo com um movimento de mão do ser alado (não fosse por isso, a maga já estaria morta). Cedrick ordena que Caliburn se envolva em chamas e avança em direção da maga.

“Pelas Chamas Abascantes de Argonast!” Ela grita e labaredas púrpuras cercam o guerreiro.

Cedrick se sente fraco, as chamas de suas espada se apagam e seu escudo mágico parece não emitir o brilho característico; até sua armadura parece velha e fosca. Ele se ajoelha. A Maga ri descontroladamente.

“TRAIDORA, EU TE AMALDIÇÔO!” Grita desesperado o bruxo e lança todas suas maldições em Lorelei.

Ela, ainda com as chamas púrpuras queimando suas mãos, anula facilmente o ataque mágico de Balsaraph.

O tiefling sente uma pancada na parte de trás de sua cabeça e é atordoado. Um dos demônios o agarra e o leva para perto da torre.

“Vamos, pequeno bruxo, QUEIME!” O ser alado se ajoelha próximo ao tiefling e segura seu queixo. A maga força as mãos de Bal a tocarem as paredes da torre.

O bruxo não consegue resistir ao comando do Lorde demoníaco, ele se evolve em chamas e estas chamas começam a incendiar a torre. Ele sente sua energia vital sendo sugada e consegue ver uma entrada se materializando.

Quando tudo acaba, ele, semiconsciente, vê os dois amantes entrando pelo portal aparentemente aberto por ele. Olha para seus amigos e os vê abatidos e dominados com um bando crescente de demônios os cercando.

“Eu preciso de ajuda!” Bal consegue reunir forças para desembainhar sua Adaga de Pacto, corta sua mão e joga seu sangue no chão. “EU PRECISO DE AJUDA!!”

Tudo fica negro. O tiefling força sua visão e consegue ver se assomando uma figura feminina de seios fartos e curvas voluptuosas.

“Lily?” Ele pergunta incrédulo. “Lily do Olho da Górgona?”

“Querido, você clamou por ajuda e eu vim.” E a atendente da taverna muda de forma. Asas coriáceas saem de suas costas, ela fica totalmente nua, chifres crescem entre seus cabelos negros. “A propósito, você pode me chamar de Lilith.”

Lily/Lilith

Continua…