Pesadelos de uma Noite de Inverno – Parte II

Dezesseis de Dezembro. Em algum lugar no Texas. 10h00 a.m.

Um homem gordo e mal-cheiroso está se embebedando como o de costume a esta hora da manhã. Aqui neste bar esquecido da civilização (e da lei) todos conhecem a infâmia de violência e fanfarronice do velho e mal-quisto Joe. Certa vez, em uma briga, ele matou um mendigo com tantas estocadas de faca que ele ficou conhecido como Stabby Joe; algum forasteiro perguntaria por que este assassino ainda não foi preso e condenado, mas o que este forasteiro não saberia é que, neste fim-de-mundo, Stabby Joe conhece a todos e todas as suas famílias, e ninguém ia querer se ariscar. Stabby Joe está bêbado e isso nunca é um bom sinal.

“Quem você pensa que é, vadia? Não está vendo que eu ainda não terminei?” Ele diz para a garçonete na fala empastada e desagradável que só alguém alcoolizado consegue ter.

“Eu-eu não pretendia ofender você, Joe. Me-me perdoe.” A novata muito nervosa tenta se explicar. Ela ia retirar a caneca com cerveja (já em temperatura ambiente) da mesa do homem, mas aparentemente ele ainda pretendia bebê-la.

“Você me ofendeu sim e agora vai ter que me agradar.” O homem dá um olhar nojento para as curvas e o busto da jovem funcionária e a segura pelo pulso.

Todos no bar não ousam dizer nada. A tensão é sólida. Aos gritos por socorro, a moça tenta se desvencilhar de Stabby Joe e, se defendendo, o arranha no rosto.

“Vaca! Agora você vai sangrar.” E ele saca sua faca fosca com a ferrugem. Se o golpe não a matar, o tétano provavelmente irá.

Um tiro na mão desarma o fanfarrão que grita de dor e segura o ferimento com a outra mão.

“Hoje não, seu saco fedorento de banha!” Diz a voz calma e confiante de um jovem não mais velho que a moça atacada. Ele segura um revólver em cada mão: dois genuínos Colt Diamondback. Usando um sobretudo vermelho e preto, tem cabelos loiros cortados no estilo high-spike e um par de óculos pequeno e redondo (estilo John Lennon). Um de seus revólveres (apontado ainda na direção do agressor) tem um filete de fumaça saindo por seu cano indicando que acabou de ser disparado.

“Arrghh! Você feriu a minha mão, seu filho da…”

Outro tiro, desta vez no chão próximo ao homem ferido o interrompe.

“Melhor controlar seu linguajar. Temos damas presentes.” O jovem faz uma discreta mesura com a cabeça para a moça. Ela agradece e corre o mais longe que pode de Stabby Joe.

“EU VOU TE MATAR!” A raiva do homem é mais forte que sua dor. Ele pega uma garrafa numa mesa próxima e a quebra, criando uma nova arma improvisada. E avança.

Com destreza impressionante, o jovem pistoleiro pula por sobre o agressor bêbado. Ainda no ar, ele se vira e pousa suavemente no chão do bar. Joe de costas para ele. Rapidamente, o rapaz de sobretudo vermelho dá duas coronhadas em ambas as têmporas do homem gordo que cai inconsciente.

“Alguém trate de chamar a polícia e explicar tudo o que aconteceu.”

“Ma-mas, senhor, Joe vai voltar e vai querer se vingar.” Diz o dono do bar saindo de seu esconderijo atrás do balcão.

“Eu gosto do clima daqui e vou estar esperando por ele.”

Saindo do bar no meio do nada, Jack pensa que aqui no Texas ele vai se sentir em casa, talvez seja o primeiro lugar nesta dimensão em que ele se sinta assim.

Seu ponto auricular toca.

True Shot Jack, o IST precisa de você!

E ele é teleportado.

XXX

Nova Iorque. 12h00 p.m. do mesmo dia.

Como ela adora a cidade nesta época do ano. As lojas da Quinta Avenida uma disputando com a outra qual tem a decoração natalina mais bonita. Apesar de ela não ser cristã, ela adora o natal.

Sendo dona de um dos maiores impérios da moda em Nova Iorque, ela poderia muito bem ir de limusine, mas ela prefere fazer o trajeto de sua casa (em frente ao Central Park) ao seu escritório na Quinta Avenida a pé. Falando sempre ao telefone, ela está elegantíssima. Sua pele de um moreno perfeito está em prefeita sincronia com seu vestido Prada. O preço desse vestido poderia alimentar boa parte dos famintos em sua cidade natal, Agra, no pobre estado de Uttar Pradesh, e a bela Srta. Padmajai faz questão de fazer doações frequentes para amenizar a pobreza da sua querida Índia.

“Eu quero todos os vestidos prontos em uma hora!” A voz dela é suave e confiante. Calma e terrível ao mesmo tempo.

Sim, Srta. Padmajai.” responde uma voz quase que amedrontada do outro lado da linha.

Kalima Padmajai interrompe sua caminhada já em frente à catedral de St. Patrick que está tendo sua fachada reformada. Alguns transeuntes se aglomeram, assustados. Ela olha para cima e percebe que um dos operários se desequilibrou e está desesperado se segurando no andaime. Uma mulher grita quando ele finalmente cai.

A executiva indiana não pensa duas vezes. Deixa sua secretária falando sozinha na linha. Ninguém nota (todos atentos à queda do infeliz homem) que seu braço direito perde sua cor morena e torna-se azul índigo. Ela aponta na direção do homem caindo para a morte certa de uma altura de cerca de trinta metros.

Tudo acontece em segundos e o operário aterrorizado nem sente seu corpo sendo invadido por uma energia estranha. Ele quase que inconscientemente estica sua mão e agarra um cabo, o que diminui consideravelmente sua velocidade, mas a fricção em sua mão é maior e ele o larga apenas para cair são e salvo no solo coberto de neve. Miraculosamente, ele se levanta e mostra para o hoi polloi que o cerca apenas os ferimentos superficiais em sua mão. Como ele tem sorte todos pensam.

A Srta. Padmajai dá um leve sorriso de contentamento e continua sua caminhada. Antes que ela volte a dar ordens a sua secretária, no entanto, seu ponto auricular toca.

Kali, o IST precisa de você!”

“Emily, cancele todos os meus compromissos nos próximos três dias!”

Mas, Srta. Padmajai…

“Aborreça outra pessoa com suas perguntas.” E ela desliga o celular.

Ela, aproveitando a comoção ainda ao redor do operário, entra num beco. Alguém que a estivesse observando poderia jurar ter visto três pares de braços azuis antes do teleporte ser completado…

XXX

Rio de Janeiro. 03h00 p.m. do mesmo dia.

Um grupo de policiais fortemente armados está encurralado na base de um morro. Balas voando em todas as direções. A população da favela se esconde o máximo que pode. Alguns policiais foram feridos, mas não houve ainda nenhuma morte.

“Capitão, eles nos cercaram. Estamos na parte mais baixa e em desvantagem. Eles estão usando a população como escudo.” Um dos policiais reporta.

“Me diga algo que eu já não saiba, cabo.” O capitão liga seu walkie-talkie. “ONDE ESTÁ A PORRA DO REFORÇO? NÃO TEMOS COMO AVANÇAR DAQUI DE BAIXO!”

“E que tal daqui de cima?” Pergunta uma voz sarcástica, vinda de cima. Um rapaz jovem e musculoso usando uma espécie de armadura metálica prateada flexível e um sobretudo turquesa. Ele está voando.

“Por que você demorou tanto pra chegar, seu imbecil?” Quando o capitão pergunta os cabos todos se entreolham.

O capitão é arremessado por uma força invisível de encontro à parede de um barraco próximo.

“Modere sua língua, homenzinho, ou passará o resto de seus dias pensando que é uma galinha.”

Calma, André. O cara tá estressado. Pega leve, ok?diz uma voz na mente do rapaz.

“Tudo bem, Fabiano. Você deve provavelmente estar certo.” Ninguém entende com quem o herói está falando já que nenhum dos presentes se chama Fabiano. “Eu vou dar cobertura para vocês. Tentem não matar ninguém desnecessariamente.”

“Fala isso pra eles.” O capitão rebate.

Não ouve o que ele tá dizendo. Ele tá te provocando. Vamos fazer o nosso trabalho. A voz de Fabiano acalma André antes que ele exploda a cabeça do capitão.

O herói voa e ignora o policial.

Em uma casa na parte de cima do morro, cinco traficantes estão descarregando suas submetralhadoras nos policiais. Rindo e gritando. Obviamente drogados.

“O MORRO É NOSSO! VÃO PRO INFERNO!” Aquele que parece ser o líder dos marginais grita. Repentinamente, esse mesmo rapaz leva um soco de um de seus aliados. No chão, ainda passando a mão no rosto, ele pergunta atônito:

“Tá louco, mano? O que deu em tu?”

“Você está preso. Renda-se!” Ele nunca tinha ouvido seu aliado falar sem nenhum erro de português antes.

“Deve ser coisa desses fantasiados filhos da puta.” Ele puxa sua arma e aponta para o antigo aliado. “Foi mal aí, mano, mas se for preciso te matar pra matar esse desgraçado, eu te mato!”

“Não mata não.” O herói surge no meio da casa, como se estivesse invisível antes, e projeta todos os marginais surpreendidos com um pulso telecinético contra a parede.

“Valeu pela dica, Fabiano.” ele fala com seu irmão. O quê? Te sugerir pra entrar na mente dos caras e apagar a tua presença das percepções deles? Ah, isso não foi nada, maninho.

“E agora, vão se render ou não?”

André, eu sinto a mente de alguém atrás da gente! Mas o aviso do irmão não foi rápido o suficiente e o herói é atingido por um raio nas costas.

“E tu achava que a gente não tava preparado pros fantasiados, né? Comprei um raio atordoante no mercado negro.” Ainda se vangloriando, o bandido nem nota que o herói já está de pé. Incólume.

“Mas-mas como? O cara disse que tu ia ficar apagado por…” O traficante larga a pistola atordoante assim que toca no teto da casa, lançado por uma força invisível e poderosa.

“Tudo bem aí dentro, André?”

Argh… O que aconteceu?

“Ele tentou atordoar a gente, aí eu assumi o controle do corpo. Você está bem?”

Tô sim. Só meio tonto. Responde a voz mental de seu irmão.

O ponto auricular toca.

“Duplo-Etéreo, o IST precisa de você!”

De vocês, você quer dizer, né? Diz a voz mental.

“Onde é a missão desta vez? Queria ir pra um lugar frio. Aqui só chove e faz calor!”

É para Boston, Sr.”

“Yay Neve! Pode teleportar a gente.”

XXX

Boston. 12h15 p.m.

True Shot Jack, Kali e Duplo-Etéreo são teleportados para Boston.

“Bem-vindos a Boston, heróis.” Wonder Amazon os recebe o mais cordialmente que pode.

“Antíope, é sempre bom trabalhar com você.” Diz Kali.

“Obrigada, querida. Sua companhia é agradável, sem falar de seus poderes.”

As duas amigas heroínas riem, se lembrando de suas aventuras anteriores.

“Você é True Shot Jack, não é? Nos conhecemos quando o IST derrotou o Overshadow.” A heroína grega pergunta, se dirigindo ao pistoleiro.

“Sim, claro. E o Pegasus, como vai?”

“Está ótimo, ansioso para lutar ao seu lado mais uma vez.”

Ai meu Deus, ai meu Deus, eu tinha esquecido como a Wonder Amazon é gostosa. O irmão mais novo fala na mente.

“Cala a boca, André.”

Bem, tecnicamente, eu não tenho boca aqui, então…

“Como?” intrigada a heroína interpela o herói brasileiro. “Ah sim, os telepatas brasileiros. Você é o Fabiano ou o André?”

“Fa-fabiano. Mu-muito prazer, é uma honra trabalhar com você.”

Pára de gaguejar, rapaz! Não me mata de vergonha.

“É uma honra trabalhar com todos vocês. Vamos precisar de toda a ajuda possível. Sinto que nuvens negras se formam na minha cidade. Vamos! Vou colocá-los a par de tudo.”

Continua…