Destino em Chamas – Parte IV

Lilith“Só preciso que você aceite, querido.” Diz a voz suave e amorosa da Súcubos chamada Lilith, quase sussurrando.

O bruxo chamado Balsaraph nada responde. Empunhando a Adaga de Pacto ainda suja com seu próprio sangue, ele se aproxima da demonesa que segura um pergaminho aberto com texto escrito em runas abissais. O tiefling, usando a adaga como pena e seu sangue como tinta, assina o pergaminho.

“Está feito!” Finaliza Lilith. “Temos nosso contrato. E eu arisco a dizer que foi o melhor contrato que realizei em tempos.” Ela sorri calmamente.

Ele não consegue mensurar por quanto tempo ele está aqui nesta vazia e fria escuridão fazendo este maldito pacto. O tiefling sabe que o “acordo” é desvantajoso para ele, mas o que ele poderia fazer? Seus amigos (e ele) estão em perigo.

“Agora me leve de volta!” Ele ordena.

XXX

A turba sedenta de demônios cada vez mais cerca o bloco de gelo (que aprisiona Aluriel e Shambala) e Cedrick.

O guerreiro já se recuperou do ataque inicial da maga, mas os seus itens mágicos ainda estão sem poderes. Sua espada Caliburn já não se envolve em chamas e não parece mais tão afiada. Sua armadura mal aguenta os golpes desferidos pelos demônios. Um dos demônios avança e, usando a inércia de seu corpo opulento para aumentar a força do golpe, ataca o humano.

Cedrick consegue levantar seu escudo para se defender, porém o escudo não é mais mágico e se despedaça com o poder da investida demoníaca. Esta foi a última vez que ele salvou a vida de Cedrick.

O guerreiro finalmente consegue (com muito esforço e técnica) matar um dos agressores disformes, no entanto mais três surgem para substituí-lo. Ele olha para sua querida Luri imobilizada no gelo e uma fúria toma conta dele.

“PODEM VIR, ESCRAVOS DO ABISMO! EU NÃO VOU DESISTIR!” Com Caliburn empunhada agora com duas mãos, ele trespassa o tórax de outro demônio.

Mas Cedrick é apenas um guerreiro humano contra um pequeno batalhão de demônios. Ele pensa que chegou seu fim quando uma dúzia de inimigos se assoma ao seu redor e pula em sua direção.

E chamas azuis envolvem a todos. Os demônios atacando Cedrick são reduzidos a cinzas em segundos e o humano não sofre nenhum dano mesmo com as chamas o tocando. Aluriel e Shambala são libertos da prisão gélida (agora uma poça de água). A elfa e o humano ficam atônitos (e um pouco assustados também) quando observam Balsaraph conjurando uma tempestade de fogo. Não um fogo comum. È algo muito mais intenso e poderoso. As labaredas são azuladas e o tiefling as domina com maestria e as controla como se comandasse seus próprios dedos.

“Bal? É você mesmo?”

“Sim, Cedrick, mas não posso explicar nada agora.” Os olhos do bruxo brilham e todos os demônios remanescentes fogem desesperados.

A caçadora não faz nenhum comentário. Apenas continua a observar o bruxo e ele sabe disso, tanto que ele não consegue fitar o olhar de sua amiga.

De repente, a armadura do guerreiro emite uma fraca luz e o seu polimento habitual volta a aparecer.

“Graças aos deuses os poderes dela voltaram.” Diz aliviado. “Pena que o mesmo não pode ser dito de meu escudo…” e ele olha no chão próximo aos restos enegrecidos de um demônio os pedaços do que um dia foi seu escudo. “…e de Caliburn.” A tristeza no rosto de Cedrick volta a transparecer.

“Espere.” Interrompe o bruxo. “Ainda há magia em Caliburn, eu posso senti-la.”

“Como? Nem eu posso sentir isso, Bal.” Questiona a elfa acostumada a lidar com itens mágicos.

“Eu sinto a magia latente. Você sabe onde sua espada foi forjada?”

“Bem, realmente não. Eu a encontrei no tesouro de um dragão que matamos, lembra Luri?”

“Sim, claro.”

“Cedrick, o que eu posso afirmar é que ela foi criada usando energia do Fogo Primal. O mesmo tipo de energia que eu manipulo agora e sinto essa aura em Caliburn. Dormente e Latente. Eu poderia dizer que até agora você usou uma pequena fração do poder real da espada.”

“O Fogo Primal é a mais pura forma do elemento fogo, vinda do próprio plano elemental . E isso justifica como você conseguiu ferir demônios imunes ao fogo, já que nada é imune às energias primais.” Explica a elfa percebendo a confusão no rosto do humano.

“O que você quer dizer, Bal? Que a magia de Caliburn ainda pode ser reativada?”

“Não, Cedrick. Quero dizer que a magia contida em Caliburn pode ser finalmente liberada em toda sua potência. Se você deixar eu a empunhar por um instante…”

O guerreiro não pensa duas vezes e entrega a espada ao seu amigo. Ele sabe que sem o auxílio de seus objetos mágicos ele seria de pouca ajuda ao grupo e se ainda há uma chance, por que não tentar?

Segurando a espada, com uma mão no punho e outra na lâmina, o bruxo se concentra e as runas da espada antes foscas e meio apagadas brilham subitamente. Cedrick tem a impressão que Caliburn cresceu, mas como?

“Está é Caliburn, guerreiro. Deixe que seu calor aqueça sua alma e que suas chamas Cedrick and new Caliburndestruam os corpos de seus inimigos.”

Quando o humano segura Caliburn novamente ele sente o punho da arma quente e acolhedor como se a espada abraçasse um antigo amigo. Apesar do suposto crescimento da arma, ela é incrivelmente leve e balanceada. Cedrick sabe que ele deve empunhá-la com duas mãos de agora em diante, pois tão magnífica e orgulhosa arma não aceitaria ser “dividida” com um escudo ou outra arma inferior na outra mão.

“Eu estou pronto. Vamos!”

E seguindo o guerreiro, o grupo entra na passagem ainda aberta da torre.

XXX

Após atravessarem o portal que dá acesso à torre, há uma única escadaria que leva para cima. As paredes de dentro têm um aspecto úmido (todos podem jurar que é sangue que as umedece até mesmo pelo cheiro agridoce no ar) e são decoradas com ossos e chifres. Um odor pútrido invade a narina do grupo e um quase imperceptível zumbido ecoa ao longe de algum lugar pelo corredor ascendente.

“Que som é esse?” Sussurra Cedrick.

“Parece a entoação de um cântico, um ritual talvez.” Aluriel responde e anda em passos largos o mais rápido e silencioso que pode; Shambala a seguindo de perto.

“Luri, você acha que consegue seguí-los?”

“Se é vivo ou morto-vivo, se é deste plano ou de outro; se existe, eu posso seguir o rastro.” E ela dá um sorriso tímido mas confiante para o guerreiro.

Muitas escadarias se entrecruzam e pequenos salões intercalam uma ou outra. Aluriel e Shambala vão à frente rastreando os inimigos até que…

“Eu os encontrei. Bem, encontrei a maga pelo menos.” Ela sussurra depois de retornar de um dos corredores da torre.

“O que ela está fazendo?” Pergunta o bruxo.

“Está parada em frente a um portal que leva a outro aposento. Ela está mantendo um encantamento, ao meu ver, para manter a passagem aberta.”

“O demônio alado deve ter atravessado o portal e deve estar no outro aposento. Ela talvez tenha que manter o portal aberto para ele poder retornar.”

“E por que ela não o abre de novo mais tarde?”

“Talvez porque ele possa ser aberto apenas pelo lado de fora.”

“Talvez…” A elfa repentinamente curiosa, interrompe o que ia dizer e olha para o tiefling. “Bal, seus chifres estão maiores e mais retorcidos.” Ela aponta.

“Eu senti, mas eu não sou o único que está… diferente.” Ele aponta para a mão de Cedrick e para o dorso de Shambala. “Olhem!”

As mãos do guerreiro são quase como garras agora e pequenas saliências semelhantes a espinhos coriáceos se projetam das costas do tigre branco.

“Aparentemente, apenas você está incólume, Luri.” Diz Balsaraph calmamente.

“Como você pode estar calmo, Bal?” Ela pergunta um pouco mais alto do que pretendia. “Você quer dizer que estão se transmutando em demônios?”

“O termo correto seria ‘Transmogrificação’, mas sim, creio que estamos.”

“O que?” Cedrick está receoso e só notou suas novas “mãos” quando o tiefling chamou a atenção para elas.

“A criatura reclusa (ou presa) nesta torre, Jorhana Lar-Barik, tinha o poder terrível de fundir a essência de um demônio à alma dos seus inimigos; mudando seus corpos e mentes e os tornando seus escravos.” O bruxo explica. “Talvez a resistência à magia natural aos elfos de Silver Glades a esteja protegendo, Luri.”

“Humm, você pode estar certo, Bal. Ela deve estar sendo acordada ou liberta e seu poder pode estar voltando a se manifestar, e você estão sendo suas vítimas.”

“Exato.”

“Não temos muito mais tempo a perder então.” Cedrick já empunha Caliburn e toma a dianteira para o local onde Aluriel encontrou a maga.

Cedrick já pode ver Lorelei de costas e de braços erguidos em direção do portal que Luri descreveu.

Impetuosamente ele corre na direção da maga para surpreendê-la. Por um momento, com a concentração no encanto abalada, a abertura do portal oscila, no entanto ela consegue se teleportar a tempo de não ser cortada ao meio.

“Como vocês conseguiram derrotar os demônios?” ela pergunta surpresa.

Balsaraph nota um vislumbre de preocupação nas feições da maga.

“Não importa, vocês NÃO prosseguirão!” Chamas púrpuras jorram em jatos das mãos da humana. “Sem seus poderes e de suas armas, vocês serão presas fáceis.” Ela ri.

New Balsaraph“Não desta vez, traidora!” Balsaraph se põe à frente de todos e intercepta o ataque mágico com suas próprias chamas azuis.

“O que? Você não tinha esse poder antes!”

“As coisas mudam, vaca!” Luri lança um relâmpago que acerta em cheio a maga. A elfa sabe que a bruxa tem defesas mágicas ativas, mas mesmo assim, ela sabe que a feriu.

Cedrick faz uma investida contra a maga atordoada. Porém, antes que ele desfira o golpe, a maga aponta seus dedos na direção do guerreiro.

“Nosrep Etanimod!” O guerreiro pára no meio do ataque. “Defenda-me!” ela ordena e o humano controlado mentalmente se vira para atacar seus amigos.

“Bal, você e Shambala tentam conter Cedrick. Deixe que eu cuido da maga.”

“Você superestima suas habilidades, caçadora.”

Cedrick, com um olhar assassino como Balsaraph nunca havia visto antes, corre na direção do bruxo com Caliburn em chamas. Imediatamente, o tiefling conjura uma parede de fogo e impede o avanço do guerreiro.

“Cedrick, sou eu, Bal!” o bruxo tenta ajudar o guerreiro a se libertar do feitiço, sem efeitos. “Eu não quero machucar você.”

“Mas eu quero machucar você!” responde o raivoso humano enquanto aponta a lâmina de Caliburn para a parede e começa a absorver as chamas.

Entretanto, antes que a parede mágica desapareça, Shambala pula sobre o guerreiro e o joga ao chão. Sua espada cai de suas mãos, porém continua a absorver a parede de chamas.

“Se você baixar este arco, eu prometo uma morte rápida e indolor, ou pelo menos com pouca dor.” Ironiza a maga.

“Ceeeeerto.” A elfa atira outra flecha que se transforma em relâmpago em pleno ar, mas que é defletida por um encanto da maga humana.

Agora imobilizado pelo corajoso tigre branco Cedrick luta para se desvencilhar, no entanto nem o forte guerreiro é páreo para os trezentos quilos de puro músculo de Shambala. O grande felino não quer machucar seu amigo, senão já teria o dilacerado.

Balsaraph, vendo que o tigre está lidando muito bem com o seu amigo sob controle mental, se concentra em lutar com a força de Caliburn. É irônico que o poder da espada que ele ajudou a liberar agora esteja sugando e se alimentando de suas chamas, mesmo não empunhada pelo seu dono.

Lorelei tira de uma pequena bolsa em seu cinto umas minúsculas sementes e as joga ao ar. “Htworg Tnalp” Imediatamente as sementes crescem em gavinhas gigantes retorcidas e espinhosas e aprisionam Aluriel.

“Depois que eu acabar com você, vou tornar seu amigo humano meu escravo pessoal.” Diz a maga enquanto se aproxima de sua vítima. “Quanto a você, vai dar uma ótima estátua para enfeitar meus aposentos.”

“Err…” As gavinhas apertam ainda mais.

Ela ri descontroladamente e se aproxima ainda mais da elfa presa.

“Enots ot Hself!” E a maga toca a fronte da caçadora.

Aluriel teme que este seja seu fim já que ela sente um calafrio por todo seu corpo, sua visão fica embaçada e seus músculos se enrijecem dolorosamente.

Porém a elfa resiste.

A maga perde um pouco de sua concentração tamanha é a força de vontade da caçadora.

As gavinhas então diminuem a constrição, a elfa pega uma de suas flechas na aljava atravessada nas suas costas e a crava na fronte de sua inimiga. “NUNCA!”

A poderosa maga de Argonast morre instantaneamente.

Com a morte de Lorelei Spellbreaker, as gavinhas desaparecem, Cedrick volta a controlar seu corpo e o portal começa a se fechar.

Todos se entreolham.

“Temos que impedir que este mal ressurja, Bal.” Cedrick se levanta ajudado por seu amigo tigre.

“Se entrarmos neste portal, talvez não possamos voltar.”

“Nós viemos aqui em busca de tesouros e agora talvez haja a probabilidade de não sobrevivermos?” Pergunta a Elfa. “Eu topo.”

Os chifres de Balsaraph estão maiores ainda, Cedrick agora tem orelhas pontudas também e Shambala está um pouco mais inquieto que o de costume.

Todos ficam felizes de não estarem sozinhos nesta aventura.

Continua…