Colina do norte

Sangue e aço

Sangue e açoTudo está acabado!

Não há ninguém vivo porentre os escombros e as árvores flamejantes. Há apenas os restos de uma civilização. A nossa guerra terminou e com ela as vidas de guerreiros e homens, de crianças inocentes sacrificadas por espadas imprecisas e flechas impensadas.

O ar está tão denso! Não há pássaros, não há brisa, não há mais nada a ser feito.

Por que tivemos que lutar? Os tempos estavam tão calmos e pacíficos, convivíamos harmoniosamente enquanto cada reino crescia e se desenvolvia. Éramos amigos, tudo estava tão bem! E hoje… Somente cinzas, sangue e um vazio tão profundo quanto os oceanos de outrora, tão imenso quanto os meus olhos podem enxergar. E eles só veem a dor e a decepção.

Maldita cobiça! Tão poucos homens instigaram o terror, tantos os seguiram até o fim. Por que de todos os sentimentos humanos o ódio predomina? Será que sempre sofreremos com a apatia humana? Para onde foi o perfeito espírito infantil?

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Permanece aqui enraizado nessa carne podre. Infelizmente se suja conosco, impregna-se de aço e vinho, contamina-se com prazeres e moedas. Maldito ouro que nos hipnotiza com as suas possibilidades viciantes! Pouco a pouco ele nos transforma em zumbis, dependentes e insaciáveis.

Ouro! Todo ouro queima na terra ensanguentada, indistinto.

Estou tão cansado, as minhas juntas doem, assim como as costelas partidas. Preciso descansar. A batalha foi muito dura, 50 luas de medo e olhos abertos, 50 dias de fadiga e nervos enrijecidos. Ainda ouço os gritos de ira e medo, ainda vejo pessoas morrendo sob um Sol escarlate, como se já soubesse da destruição. Onde estavam os deuses? Por que eles não intervieram? Talvez eles nada pudessem fazer contra a prepotência humana, talvez eles ainda estivessem esperançosos por uma redenção. Como fomos tolos em prosseguir com esse caos incoerente, havia a possibilidade de pararmos e nada fizemos…

Sombras estão se movendo sobre a minha cabeça. Sim, eles já chegaram! Vieram fartar-se com as carnes abundantes e fétidas sobre essa colina. Venham aves carniceiras! Venham reivindicar os seus direitos! A vida é muito sábia, nada é perdido, somente as lembranças.

Que calor infernal! Não consigo me mexer, estou exausto! Gostaria de sentir pela última vez o toque dos que eu amo, gostaria de ouvir a risada dos meus filhos, mas eles também… Todos se foram!

Não devo chorar, não esta tarde. Preciso respeitar os mortos e enterrar seus restos dignamente. Porém são muitos, parecem brotar da terra, o horizonte está salpicado de sangue.

Como a paisagem está diferente, os campos de trigo foram queimados. O velho carvalho está no chão e com ele grande parte da história da humanidade, milhares de anos que serão roídos por cupins. Tenho medo de ir ao topo da colina e ver o outro lado, tenho medo de ver o meu futuro, ruindo junto aos castelos e construções, tenho medo de ver a minha casa destruída e os meus cavalos mortos. E agora, o que farei?

Basta de lamentações! Preciso partir. Caminharei dias e noites até encontrar uma nova pousada, mas,nunca encontrarei novamente um lar, nem a alegria, pois o meu coração morreu nessa guerra.

Tenho medo que esse seja apenas um fim momentâneo, não sei como estão os outros reinos, se ainda existem, se ainda resistem. O mundo deve ser agora uma esfera de fogo e cinzas…

Como a minha armadura está pesada, estou fraco e a minha cabeça dói. Preciso de água, mas não restou nada e o Sol não descansará tão cedo. Meus olhos doem e os pulmões queimam com a poeira causticante. Como é difícil respirar esse ar seco e moribundo! Como ele é diferente do ar perfumado que inundava essa colina tempos atrás. Mas, as flores foram pisoteadas e as abelhas sumiram e a terra se tornou estéril e seca, seca! Preciso de água! Não quero beber o sangue dos mortos, deixe que os abutres o façam.

Será esse o meu fim? Nunca! Devo resistir, mesmo sem comida, água ou amor. Mesmo com esse sofrimento e essas mentiras insanas. Esse é o meu destino, marcado no meu corpo machucado, em minhas mãos calejadas e sujas.

Preciso me levantar e enterrar os mortos, mas eu não possuo nenhuma ferramenta, possuo somente a minha espada manchada de vermelho. Espada que tirou tantas vidas e salvou-me da morte e dos machados insidiosos. Nunca mais descobrirei a paz, guardarei os meus dias na solidão e nas sombras noturnas me esconderei. Porém, não adianta prever o futuro, pois nenhuma bruxa ou vidente pode prever essa história, nem puderam impedir as suas desgraças.

Basta! Enterrarei todos os mortos, e a minha espada que decidiu sobre as vidas, os conduzirá ao descanso em covas malfeitas e rasas. É o que posso fazer, é o que eu devo fazer. Pois eu sobrevivi! E lutarei até o fim!

Encontrarei outros sobreviventes e recomeçaremos, redescobrindo o fogo, reconstruindo as casas e repovoando o mundo.

Que os deuses nos iluminem e nos guiem aos verdes campos. Se esses ainda existirem.