Destino em Chamas – Parte I

Cedrick2O Olho da Górgona é a maior (e mais infame) estalagem e taverna da cidade comercial de Belkiss. Ela é repleta de estátuas de criaturas em tamanho real (seres humanóides em sua maioria). Um pouco real demais pensam alguns fregueses observando o olhar de terror na maioria das estátuas. Dizem os boatos que uma Górgona é a proprietária do estabelecimento, mas ninguém nunca realmente a viu.

Mesmo assim, o local é o melhor lugar para aventureiros esquecerem seus problemas, aventureiros como Cedrick. É o início da manhã e o guerreiro humano está sentado em uma das cadeiras de uma mesa. Várias canecas vazias em cima da mesa ao lado de sua espada mágica, outra caneca ainda (temporariamente) cheia nas mãos de Cedrick. Seu escudo postado na cadeira ao seu lado. ‘Sentada’ a sua frente há uma estátua de um anão estranhamente colocando as mãos no seu rosto como que tentasse se proteger de alguma coisa. Ou alguém pensa Cedrick.

“Aceita mais hidromel, querido?” Lily, a atendente mais linda que o guerreiro já conheceu. Muitos dos fregueses também frequentam o local para admirar seus fartos seios e as curvas voluptuosas.

“Sim. E por minha conta.” Diz uma voz grave antes que o humano possa responder. Ela pertence a um tiefling de pele avermelhada que se aproxima da mesa e senta na cadeira vaga ao lado da estátua do anão. “Bom dia, Cedrick.”

“O que você quer, Balsaraph?”

“Como assim? Não posso pagar uma bebida para um amigo?” pergunta o tiefling com um ar indignado.

“Da última vez que você me pagou alguma coisa foi quando arranjou aquele ‘emprego’ para mim em Timbar.” O humano olha sério para o tiefling.

“Sim e você se saiu muito bem. Você matou a mantícora, não foi?”

“Foi. Depois de ela quase me rasgar ao meio com suas garras. Estou bêbado, mas não idiota. Repito: O que você quer?”

O tiefling tamborila os dedos na mesa e desvia os olhos dos do guerreiro. Cedrick sabe que ele está pensando em algum meio de convencê-lo.

“Então?” O guerreiro quebra o silêncio.

“Então eu pensava que sua alcunha era ‘Cedrick, o BravoAluriel & Shambala’. Eu acho que estava enganada.” Longas madeixas de um branco impecável, um arco cheio de runas arcanas repousando ao redor de seu esguio tórax, um sorriso nos lábios e a pele sem uma falha sequer escondem a experiência dos séculos: um elfa.

“Aluriel, você chegou bem a tempo.” Diz Balsaraph também com um sorriso no rosto.

Agora o guerreiro entendeu. Balsaraph não estava pensando em um jeito de convencê-lo, ele estava ganhando tempo até que a elfa chegasse e o convencesse. E Cedrick não consegue dizer ‘não’ a uma bela donzela.

Antes que o humano formule uma saudação, um gigantesco tigre branco pula em cima dele e quase o derruba no chão.

“Eu também senti sua falta, Shambala.” Diz ele rindo e abraçando o tigre enquanto este lambe seu rosto.

“Ele está bem contente em vê-lo novamente, Cedrick. Da última vez que ele lhe viu foi quando enfrentamos aqueles gigantes do gelo.”

“Animais não são permitidos aqui.” Diz secamente a atendente. Ninguém notou quando Lily se aproximou.

“Esse ‘animal’ é muito mais educado que você.” Rebate Aluriel. Shambala rosna.

Obviamente, as duas fêmeas se odeiam e Balsaraph, calado em todo o momento, observa toda a situação e pensa que talvez o forte e viril guerreiro seja o pivô de todo esse ódio.

“Vamos esperá-los lá fora, Shambala.” E os dois saem da taverna.

“Tudo bem, você me convenceu. O que vai ser desta vez? Trolls? Um Dragão?”

“Demônios provavelmente.”

“Certo. Como se demônios fossem facilmente encontrados em qualquer masmorra.”

“Um terremoto recentemente trouxe à tona as ruínas da antiga cidade de Vor-Vagral, do reino morto de Bael-Turath. Está cerca de quatro dias de viagem de Belkiss.”

“Bael-Turath era o reino dos tiefling, não?”

“Sim. E que há tempos imemoriais foi dizimado pelas guerras contra Arkhosia, o reino dos Dragonborn.”

“E o que mais você espera encontrar lá?”

“Conhecimento de um reino esquecido, aventuras para contar aos meus filhos e…”

“Balsaraph…” Fala Cedrick num tom desconfiado.

“Tesouros. Espero encontrar muitos tesouros. Satisfeito?”

“Muito.” Responde o humano depois de algum tempo. “E quanto nós ganharemos com isso? Eu e Aluriel?”

“Um terço para cada, meu caro.”

“Tudo bem.” O guerreiro de cabelos castanhos observa a bela elfa acariciando seu musculoso tigre do lado de fora da taverna. “Quando partimos?”

XXX

Cavalgando há dois dias em direção ao noroeste, o grupo de aventureiros tenta evitar as perigosas estradas comerciais que saem e chegam a Belkiss.

“Há três noites um bando de homens-rato assaltou uma caravana de anões vindos de Iron Hammer.” Conta Aluriel. “Eu e Shambala conseguimos matar a maioria deles, mas não antes de eles chacinarem todos os comerciantes.”

Acampando na clareira de uma floresta de árvores esparsas, Cedrick toma o primeiro turno de vigília.

A noite está fria e a escuridão só não é mais opressiva por conta da fogueira mágica conjurada por Balsaraph. O humano está recostado em uma árvore e segura sua espada mágica (chamada Caliburn) e seu escudo. Excetuando-se o crepitar da fogueira, o silêncio na clareira é sepulcral até que Shambala se ergue do lado da elfa com a cabeça levantada ameaçadoramente, orelhas em pé e os músculos retesados. Isso nunca é um bom sinal.

“O que houve, amigão?” O guerreiro já deixa seus itens mágicos preparados e se aproxima do tigre.

Shambala rosna, mas não para Cedrick. Aluriel já está com uma flecha no arco.

“Acorde, Bal! Não estamos mais sozinhos.” Cedrick tenta não gritar.

“Não consigo ver nada.” Diz a caçadora. A visão da elfa é muito superior a do humano e do tiefling. “Shambala, me guie até o cheiro que você achou.”

O tigre branco não se move.

Cedrick olha para cima e vê talvez dezenas (Ele não consegue precisar na escuridão) de aranhas gigantes nos galhos das árvores que limitam a clareira.

“EM CIMA!”

Uma aranha do tamanho de um cachorro grande pula em cima dele, mas as quelíceras venenosas encontram só o escuro do guerreiro.

As flechas de Aluriel se transformam em relâmpagos assim que abandonam o arco encantado e derrubam três aranhas. Os cavalos, desesperados e amarrados em uma das árvores, são presas fáceis e a elfa mira nas criaturas que os estão atacando. Shambala dilacera as criaturas que tentam se aventurar no solo.

BalsaraphBalsaraph recita um encantamento e, como se entrasse em combustão, ele se envolve em chamas místicas e inofensivas (para ele). Uma aranha que tenta surpreendê-lo atacando pelas costas é carbonizada instantaneamente.

“Por que tinham que ser aranhas? Eu odeio aranhas!” Quando criança, Cedrick viu sua família ser assassinada por drows e ele foi dado de alimento a uma das aranhas gigantes que serve de montaria aos elfos negros. Estaria morto, não fosse a intervenção de um paladino de Pelor. Seu medo de aracnídeos persiste até hoje, mas mesmo esse medo não impede que mais duas aranhas sejam empaladas por Caliburn (agora flamejante).

“Elas estão nos subjugando. São muitas!” Mais três morrem pelo arco da elfa. O tigre branco sobe em uma das árvores e some na escuridão. Poucos segundos depois, surge o que parece ser uma chuva de patas de aranhas decepadas. Tudo isso acompanhado do rugido temerário do felino.

Balsaraph, protegido em seu casulo de fogo (que mata mais duas aranhas), lança maldições para todos os lados. Uma aranha se contorce em dor (e é morta por Caliburn). Outras três são dominadas pelo medo e fogem (e são atravessadas pelas flechas-relâmpago impiedosas de Aluriel). Uma quinta é paralisada (morta pelas garras de Shambala).

Jatos de teias grossas e pegajosas tentam aprisionar os aventureiros mas são impedidas pela lâmina de Cedrick, pelos reflexos de Aluriel e Shambala e pelas chamas de Balsaraph. Porém, para cada aranha morta, surgem mais duas da escuridão tomando seu lugar, numa cascata negra de terror anti-efêmero.

“Bruxo, faça alguma coisa!” A elfa grita ao tiefling.

O tiefling se concentra, aponta para a fogueira e pronuncia frases em uma língua gutural e profunda. O fogo torna-se verde e cresce. Três imps se materializam pelo fogo verde e começam a arremessar pequenas (mas letais) bolas de fogo nas aranhas.

“Que diab…?” Uma bola de fogo quase atinge Cedrick.

As aranhas gigantes são rapidamente vencidas com a ‘ajuda’ dos imps. Bal, Impfatigado, dispensa os diabretes com dificuldade (um deles tenta resistir, mas a vontade do bruxo é maior).

“Essas criaturas tocaram fogo desnecessariamente nas árvores!” diz a elfa ultrajada. “Mataram as aranhas e pelo menos cinco árvores. Se estivéssemos em uma floresta mais densa, teriam provocado um incêndio incontrolável.”

“Sinto muito. Não foi minha intenção. A magia infernal é muito caótica e imprevisível e…” Mas só agora Bal nota o estrago. Árvores ainda em chamas, os cavalos talvez até mais aterrorizados pelas labaredas que pelas aranhas.

Balsaraph é ignorado pela elfa.

“Vamos Shambala. Vamos procurar alguma água para apagar estes pequenos focos restantes.” E os dois saem floresta adentro.

Cedrick colocaria uma mão consoladora no ombro do tiefling se ele não estivesse ainda envolto em chamas.

“Você fez um bom trabalho, Bal. E você sabe como é a relação entre os elfos e a natureza. Só tome mais cuidado da próxima vez, ok?”

“Tudo bem, Cedrick. Estou feliz por você estar aqui também.”

E os dois tentam minimizar os estragos antes de prosseguirem sua jornada.

Continua…